Incêndios Florestais. Desazo?

Culpar os incêndios florestais exclusivamente pelas alterações climáticas não faz sentido. Tal como outros fenómenos naturais, os incêndios resultam de uma interação complexa entre fatores meteorológicos, climatológicos, ecológicos e, sobretudo, humanos.


🚨 Como Começa o Fogo?

É um facto bem estabelecido: em Portugal, a maioria das ignições tem origem humana — seja por negligência, acidente ou intencionalidade.
Embora este texto não entre na discussão de motivações ou interesses, é importante sublinhar que a frequência das ignições humanas não está diretamente relacionada com as alterações climáticas.

O que sim está intimamente associado às mudanças climáticas são os desfechos dessas ignições: a probabilidade de evoluírem para incêndios significativos, a sua intensidade, severidade e área ardida. E, nesse campo, a evidência científica é clara e robusta.


🌡️ Alterações Climáticas 

As tendências observadas nas últimas décadas em Portugal incluem:

  • 📉 Invernos mais secos, sobretudo no sul do país;

  • 🌡️ Temperaturas médias mais elevadas durante todo o ano;

  • 🔥 Aumento da frequência de ondas de calor e dias consecutivos com condições favoráveis ao fogo (temperaturas altas, baixa humidade relativa e vento intenso);

  • 🌧️ Maior variabilidade na precipitação anual, alternando anos muito secos com outros excecionalmente chuvosos.

Este último ponto é relevante: anos mais chuvosos e quentes promovem o crescimento de vegetação herbácea e arbustiva, que se torna combustível perigoso aquando do retorno das condições secas e quentes.


🗺️ Diferenças Regionais 
  • Sul de Portugal: Invernos mais secos e Verões extremamente quentes podem reduzir a vegetação disponível, mas o risco permanece elevado devido à inflamabilidade rápida de gramíneas e matos e à propagação veloz em áreas abertas. Este novo regime pode surpreender os sistemas de gestão, habituados a outro contexto.

  • Centro e Norte: A precipitação ainda significativa permite o crescimento de vegetação densa. A combinação de secas mais frequentes e ondas de calor prolongadas, associada a florestas contínuas e homogéneas sem mosaicos de descontinuidade, favorece incêndios severos e de grandes dimensões.


🏞️ Gestão do Território

Outro fator crucial: a forma como as pessoas interagem com os ecossistemas.

  • 🔥 Décadas de supressão artificial dos incêndios, sem gestão adequada do combustível (limpeza de matos, desbaste de árvores, criação de descontinuidades), originaram manchas florestais contínuas e envelhecidas, verdadeiros barris de pólvora em anos críticos.

  • 🌳 A introdução de espécies exóticas inflamáveis como o eucalipto e o pinheiro-bravo agravou o problema. Estas libertam compostos voláteis e facilitam a propagação rápida do fogo.

  • 🐐 O abandono do mundo rural, a redução do pastoreio e das práticas tradicionais de gestão de matos (como as queimadas controladas) aumentaram a vulnerabilidade do território.


🌪️ Eventos Meteorológicos Extremos

O cenário complica-se com a maior ocorrência de eventos meteorológicos extremos que potenciam incêndios devastadores.

Exemplos recentes:

  • Pedrógão Grande (2017): Incêndios potenciados por trovoadas secas e calor extremo.

  • Pinhal de Leiria (2017): Agravados pela aproximação do furacão Ophelia, que trouxe ventos quentes e secos.

Estes fenómenos deverão tornar-se mais frequentes no futuro, exigindo dispositivos de proteção civil mais preparados para atuar em contextos meteorológicos imprevisíveis e extremos.


📊 Adaptação, Prevenção e Gestão Sustentável

As projeções apontam para um aumento da janela temporal de risco de incêndios, estendendo-se para além do Verão.
Face a isto, será fundamental tomar medidas tais como:

  • 📡 Reforçar a vigilância e resposta operacional ao longo de todo o ano.

  • 📢 Sensibilizar as populações: os incêndios já não são apenas um problema de Verão.

  • 🌿 Reestruturar o uso do solo, criando mosaicos agroflorestais e descontinuidades.

  • 🌱 Fomentar a gestão ativa das florestas: desbastes, controlo de espécies invasoras e promoção de espécies autóctones mais resilientes ao fogo.

  • 🔥 Promover queimadas controladas em zonas estratégicas para reduzir a carga de combustível.

  • 📊 Integrar novas tecnologias de monitorização meteorológica e deteção precoce de ignições.

  • 🚒 Preparar os bombeiros e proteção civil para atuar em incêndios de grandes dimensões e sob condições extremas.


✅ Conclusão

O futuro dos incêndios florestais em Portugal será condicionado por uma combinação de fatores: alterações climáticas, ocupação e gestão do solo, decisões de política florestal e comportamento humano.
A gestão do território é, assim, da maior urgência. São necessárias medidas que promovam o ordenamento e as boas praticas tanto nos espaços públicos como nos privados.
As regras devem ser apertadas e iguais para todos, numa sociedade que se quer bem informada, civilizada, consciente, responsável e resiliente.
Reduzir o fenómeno a uma causa única e a bitaites na TV é um absurdo.
Só com uma estratégia integrada de adaptação, prevenção, ordenamento e educação, suportada por evidência científica e práticas de gestão ativa, será possível mitigar os riscos e proteger o território.


📚 Referências

Global Wildfires 2025
EFFIS - European Forest Fire Information System
Climate change and wildfires